Foram e
vieram filmes nos últimos meses. Me sinto anestesiado no filme enlatado da
semana. Há um abismo entre a tela e
eu. Em tempos globalizados, o cinema que
se orgulha de si refugia-se nas ruas. Enquanto isso, brilha o cartaz da última
estreia no grande shopping da cidade.
Começo está
crítica com confissões: havia muito tempo que não vertia lágrimas no cinema. Minha história com o filme Elena, confesso
também, começou um pouco antes do que para a maioria dos outros companheiros de
sala. Pequenos trechos de filmagem, notícias e a expectativa que foi criada aos
poucos. Tive o prazer de conhecer e
conviver durante muito tempo com uma das irmãs de Petra e Elena. Não se trata de um argumento de autoridade, apenas
mais uma confissão. Seria ingênuo, tendo dito isso, eliminar a dimensão
(parcial) do afeto ao falar do filme. O leitor fica então avisado.
A
verdadeira arte purga. O acesso à interioridade do autor machuca, abrem-se
feridas. Para o espectador, tem-se um primeiro
momento de choque que se transforma liquidamente em identificação. Para a cineasta Petra Costa, a libertação de
um amor ferido vinte anos atrás. A tela de cinema carrega o misterioso poder de
dar vida ao que já foi. E de repente, todo o universo íntimo familiar vai se
tornando caro a nós que assistimos passíveis.
A
identificação em Elena ultrapassa meros critérios materiais e objetivos.
Identifica-se com a dor do destino trágico, se é levado pelo turbilhão emotivo
de quem ficou. Me peguei em diversos momentos pensando em minha própria
família. Não me senti, no entanto, egoísta mas sim em comunhão.
Não é a dor
ou a morte que torna digno o que é mostrado. A consciência da morte apenas ressignifica a experiência
da irmã e da mãe (e posteriormente, do público) com Elena. Nossa subjetividade
nos dá valor e imbui significado em nossa existência. E é justamente essa dimensão afetiva
subjetiva que Petra transporta pra tela ao mostrar a irmã. Oscila-se sem perceber entre o particular e o
universal. Quem é Elena, senão ela, a mãe e por fim a irmã? Me senti quase
covarde em me inserir nesta dinâmica. A diretora faz, porém, o convite.
Os dados
frios e assépticos da necropsia aparecem na tela. Fica claro como números e
nomes técnicos representam o grande vazio existencial de nosso tempo. O
coração não pesa 300 libras, substâncias químicas não matam ninguém. Já ensinaram os gregos, vive-se no pathos. E na paixão que move, define-se o próprio ser
em pequenos momentos de tempo, em uma frase, um gesto, um carinho, um beijo. Basta isso.
A irmã mais
velha indica então o caminho à mais nova: só a expressão artística cura. Elena diz em determinado
momento que vive pela arte, Petra parecer
viver por causa desta mesma arte. Sem a possibilidade liberadora de se expressar, fecha-se em si, o passado é esquecido, reprimido, supostamente renunciado. A película do filme torna, ao contrário, o
instante eterno, converte a dor em amor. Só a criação torna suportável a
existência.
No final,
sofremos, amamos e erramos sob o encanto de Elena. Nos fundimos todos nas águas
do pequeno lago. Chora então o um e o
todo.